A fé é um mistério. Principalmente para quem acredita.

13 de Maio. O poder em formato peregrino



D.Barroso disse que o governo dele não é conservador mas sim reformista. Acho muito bem. O sector das conservas já deu o berro, e antes que o estado providência dê também, há que aproveitar enquanto ainda se pode para ser devoto das reformas.

Mas o que me traz aqui é a peregrinação a pé que o Dr DB vai fazer a Fátima com o seu governo. São moças e moços esforçados, que se vão entregar nas mãos da Santa Senhora, para que no seu regaço encontrem o rumo certo. No fundo, será uma oração penitencial neste apeadeiro, que abençoará decerto o roteiro sacro da retoma. D.Barroso está confiante que esta prova de esforço e fé o vai ajudar também a esclarecer-se definitivamente sobre a mítica remodelação. Quem se aguentar, e aceitar o sacrifício com resignação e espírito de entrega, esse sim será digno de governar Portugal!

- Meninos estão todos prontos?

- Há aqui um problema Sr. Primeiro, os meninos do PP não querem levar os chapéus cor-de-laranja!

- Estamos reféns das boinas azuis, é o que é!


Durão quase que sufoca nesta tragédia inesperada, mas pedirá à Senhora que o ilumine, e decide que leva tudo o boné do Euro! JLArnault coloca-o um pouco à banda, mas fica-lhe a condizer.

- Sr. Primeiro, Sr. Primeiro, chegou aqui um estafeta com um atestado médico do ministro Theias. Acho que não pode ir porque tem uma unha encravada.

- O Bagão Félix que analise já esse atestado!

- Ó Sr Primeiro, eu mandaria mas é a fiscalização lá a casa...

-...Afinal ele já está bom, e disse que aproveita o atestado para uns tipos de Guimarães, que se querem safar duma oral


O dr Figueiredo Lopes tremia que nem varas verdes. Comentava-se à boca pequena nos corredores (bem isto é forma de expressão, não havia corredores porque já estavam todos no pátrio do jardim de S. Bento, e até já tinham feito o chichi) que ele tinha era pânico por passarem perto de uma zona de incêndios.

- Não tenhas problemas Figueiredo, os bombeiros de Lamego têm a situação toda controlada com os helicópteros.

-Eu temo muito, porque neste país de poetas amargurados o «fogo arde sem se ver»


T.Gouveia também estava muito preocupada, porque a saia era um bocadinho travada e podia não aguentar a passada larga de Marques Mendes. D.Barroso, sempre compreensivo, explicou que cada um podia ter o seu ritmo desde que chegassem a Fátima antes das presidenciais.

Mas Portas parecia acabrunhado. Estava ali no seu cantinho, tudo apontava para que tivesse a rezar baixinho, e ninguém o queria incomodar. Mas D. Celeste aproximou-se com o seu terço em madrepérola e interpelou-o sobre o estado da sua alma:

- Está em carne viva irmã Celeste. Não sei se quando chegar junto da Azinheira sagrada não me transformarei num estigmatizado. O povo precisa de sinais. Temo ter sido eu o escolhido.

- Bem... nossa Senhora assistiu ao milagre das bodas de Caná, mas julgo que não terá emborcado o vinho todo...
(nota pessoal: tenho de vos confessar, aqui tive de rezar uma Ave Maria para expiar, pelo sim pelo não)

Entretanto a caminhada lá tinha avançado, a lezíria ficava já ao longe, e como não podia deixar de ser, as bolhinhas nos pés também começaram a fazer as suas primeiras aparições.

- Ó Mme Ferreira Leite noto-a dada ao coxeio. Será que voltou o desequilíbrio...

- Deixa-te de piadinhas ó meu gastador de merda. Agora é que eu quero ver se essa tua reformazinha da saúde me consegue tratar aqui dos joanetes.

- Ai isso é do pelouro da Cruz Vermelha. O melhor é ir ali à roullote do pão com chouriço que eles fazem-lhe o penso; é que o tratamento das micoses já foi concessionado ao pessoal dos couratos, e as bombas de ventilan já só se encontram nas bancas de torrão de Alicante.


DurãoB. mostrava-se apreensivo. Não vislumbrava um ambiente de entreajuda e companheirismo no grupo. Pensava no país, e via um rebanho entre o mal tosquiado e o mal mugido. Olhava para o seu governo e via uns pelintras a arrastarem-se, suspirando por uma bênção de entardecer, e um bitoque com ovo.

- Sr. Primeiro ainda falta muito? Dizem que aqui em Vila Franca também há muita devoção a Nossa Senhora por causa dos toiros, e...

- Vocês são ministros peregrinos, ou são campinos de vacas leiteiras? Cambada de fariseus, serventes do hedonismo!


Apesar de tudo, eles viam no Primeiro uma força que parecia vir do além. Confiavam na sua passada decidida, regulavam-se pelo refulgir da sua t-shirt de sinalização, deixavam-se hipnotizar pelo punho do seu cajado, qual Jafar da Cova da Iria (há que ver o Aladim para desenjoar do Tarantino).

- Mas Sr. Primeiro, nós estamos de corpo e alma na sua missão, só que agora é mais o corpo que está a dar de si, e eu ameaça-me aqui um frúnculo na virilha, que à terceira “Ave Maria” tenho logo de soltar um “Glória” para m’aliviar das dores!

- Nós não podemos estar virados para as nossas coisinhas! É pelos problemas dos outros que temos de oferecer o nosso penitente caminhar. Pensem que em cada fístula a drenar pode estar o sorriso duma criança, ou o doce pastoreio duns bloquistas de esquerda.


A fé começava a ser já o último refúgio. As saudades do motoristas, do chazinho a meio da tarde, dos cadeirões da sala de reuniões...

-Ó Drª Nelinha, acha que há verba para comprar um daqueles terços em madeira trabalhada para levar para o meu gabinete?

- Ó filho, conta mas é as ave marias com os dedos.


Entretanto ia-se alongando e desfazendo aquela ilustre coluna. CTavares oferecia uns mistérios dolorosos por BelmiroAzevedo, Theias “limpou” uma Salve Rainha pela alma da Quercus, e PRoseta só dizia “deo gratias”, “deo gratias”, “deo gratias” porque não tinha pecadores na peugada, e em última hipótese podia pôr a Casa da Musica a render como franchisada da Capelinha das Aparições no Norte.

- Ó Chefe, isto agora já marchava uma boa pinga aqui do Cartaxo. E alma aconchegada já se sabe que é meio caminho para alma arrebatada.

- Uma bela arrebatada vão levar alguns de vocês. Qualquer dia o nosso querido Portugal é uma mera região demarcada ao serviço duma casta mal enxertada qualquer, e vocês aí nem arranjam lugar sentado nos alcoólicos anónimos.

- O Sr. Primeiro está a ser muito injusto. Já estoirei com duas bisnagas de Alibut, e até emprestei o meu cantil ao Marques Mendes.

- Agora quero todos de mãos dadas durante um kilometro. Depois escolheremos qual é o que vai de joelhos na parte final, e qual é o que leva a vela gigante.


Estava criado o momento de maior ansiedade no piedoso pelotão. Mas temia-se pelo desmoronar da santa coligação. A bênção que a tinha protegido estava agora desguarnecida pelo efeito da perspectiva dum joelhinho em chaga. Seria o momento de todas as definições. O PP sairia de corpinho feito, ou teria de deslizar pela explanada do santuário curvado pela esmagadora aritmética do sufrágio? Jogaria Portas a sua última cartada, entregando o fémur de Celeste para imolação, ou DBarroso iria mostrar finalmente que era homem duma espinha só, enfrentando a via penitencial como um navegador solitário?

- Eu vou! Afirma de rompante MoraisSarmento. Ele tinha feito uma promessa! Fora uma coisa “a dois” só entre ele e a Santa Mãe.

- Devo-lhe um agradecimento muito especial. Não fiquei refém do Acontece.


Entre sorrisinhos nervosos, e «é pá vê lá se quiseres eu vou», e «eu seguro-te na mochila», e «foda-se», e «é justo», e «se não fossem as bolhas terem rebentado até ia eu», e «nas curvas eu depois dou-te a mãozinha», e «onde é que estão os fotógrafos», MSarmento foi entronizado como o peregrino da nação.

Aquele onde o governo iria pôr seu enlevo. O que iria suportar para todo o sempre o pesado fardo do pelouro da salvação da mátria. Seria a rótula bendita da nação.

Mas Portas espumava em pré êxtase. – Eu levo a vela, eu levo a vela! O poder de Deus derreterá nos meus braços! Com o calor do meu amor à pátria fundirei a cera sagrada! O meu corpo fará de molde à regenerada alma portuguesa. Serei o pavio da portucalidade.

- Poça, isto não precisa de ser remodelado, isto precisa é de moldes novos. Estou no meio dum enxerto de figueira estéril com videira encarquilhada e encostado a um Azinheira. Salva-me Rainha do Meu Pomar! Olha pelo teu jardineiro fiel e livra-me destes palhaços.

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