Não arranjo como fugir disto. O novo dicionário não ilustrado deixou-se apanhar pelo polvo do burgo. Só que, como não podia deixar de ser, cortado aos bocadinhos e em vinagrete. ( entradas 224 a 231 )



Crime – Termo que só ganha valor poético nos manuais de direito. Na boca do povo parece uma cárie tão irreversível, que nem com uma placa nova de recurso aparentamos ter dentes d’albarran.



Indícios – Na era dos sinais, na era do famoso retorno às simbologias, os indícios são peões de um jogo de bombeiros: dum lado os do “fogo posto”, e do outro os do “fogo de vista”.



Investigação – Termo que se refere à busca incansável da verdade dos factos; tem como padrão o seguinte: a verdade dos factos não existe, quem corre por gosto é que não se cansa, e quem busca são os cães. É neste forno que se cozem os ingredientes do “fast-jail



Contraditório – Extraordinária faculdade de alguns humanos em ver o cu onde apenas aparentam umas calças. Prevendo essa visão radiológica, o outro – não menos perspicaz – encolhe pudicamente o nadegal e procura realçar outras partes mais excitantes. No entanto, esta farsa apenas produz os eunucos da verdade. Ninguém aproveita.



Provas – Figura repelente do mundo do pronto-a-vestir, que foi transformada numa deusa no Olimpo da justiça. Basta correr o cortinado e pedir o número acima, que o empregado de turno há-de arranjar qualquer coisa que sirva.



Inocência – Pura ilusão de consciência. Aparece quando o relativismo é levado ao colo até ao patamar da moral. Dela sorvem sofregamente os mendigos do nobre sentimento da culpa. E quando sai à rua é tão apalpada, que já só veste calças roçadas.



Pena – Conceito de basta ambivalência. Tanto protege o acelerado colibri, como enobrece o pavão, como dá manto às aves de rapina. E sem ela, aparentemente, a justiça não flutuaria no ar, antes viveria em constante ilusão térmica.



Justiça – Técnica da ancestral forja moral que faz com que numa balança os pratos nunca pesem o mesmo, nem quando estão vazios.

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