A originalidade das espécies



Quando vejo um narrador a discutir com as personagens sobre o seu destino e ainda para mais interpela o leitor sobre as suas escolhas, confronto-me com um dos meus mais perenes preconceitos artísticos : a originalidade é uma prisão.

Quando se escolhe um formato exclusivo em aparentes ambiguidades e em originalidade fica-se atado a ele e não se pode fugir para um plano «criativo» mais fecundo. Aprofecundemos então :

Não querer ser como os outros, abandonarmo-nos à vertigem de ter de ser diferentes, é na grande maioria dos casos um pecado original.

Esse pecado da originalidade é uma perturbação do espírito criativo que leva o desgraçado do prevaricador a não mais ser livre e a ter de entregar o seu destino às mãos duma fatalidade artística (?).

A originalidade faz-nos ficar condicionados pela forma , faz a expectativa ser mais importante que o espectáculo; é o verdadeiro «passepartout» da imaginação criativa.

Sermos banhados pela normalidade é quase uma peste nos dias que correm, e enunciar o bacoco «direito à diferença» torna-se inevitável.

“Ser original”. “Não ser igual”. Um verdadeiro rendimento mínimo garantido para os pobres de espírito. Um albergue para os sem-ideias. A água fresca no fundo de um poço sem fundo.

É no entanto uma tentação recorrente. Como um falso profeta, um dissimulado. Promete muito, mas compromete muito mais. Enleia-nos numa força enganadora que geralmente termina num estéril turbilhão. Ser original, por si só, é ser escravo. A nossa espécie não é original, é livre.

A nossa originalidade não é mais que a nossa vaginalidade.

Foi um des-abafo num dia de bafos quentes.

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