Ainda uma comemoração centenária está a sair do lume e já
nos vão entrar por casa as bodas d’oiro da soixante-huitadela na qual o povo se
casou com os direitos fundamentais. A melhor coisa para nos excitar os nervos
são os direitos fundamentais. Um direito secundário em geral acalma-nos. Não
investimos muito nele, pode perfeitamente surgir duma conversa ao almoço e não
durar até ao jantar.
Deveríamos dar muito mais atenção aos direitos secundários,
tanto mais que ninguém se arrepia se desistirmos deles. Eu aposto muito em tudo
o que se possa abandonar. Sendo que não aprecio ser eu o abandonado. Mas por vezes
acontece. É um direito secundário que assiste a quem nos abandona. E se
arremessamos logo com um direito fundamental para nos defendermos acabamos com
a clássica carga de nervos.
Por mais que seja fundamental a liberdade temos de
reconhecer que nos traz muitas maçadas. Ao nível das que traz a igualdade, é
fácil de constatar. Defendemo-las, assim, por uma questão de prestígio, de bem
parecer, mas, se pudermos, trocamo-las facilmente por outros valores mais em
conta, como a boa saúde, ou até, para os mais exigentes, conceitos vagos e
eloquentes como a lealdade, o respeito, a dignidade.
Eu gosto muito da dignidade. É uma coisa que veste muito
bem, aguenta gola alta e até as bainhas um pouco descosidas. Reparem que fazer
merda com dignidade acaba por resultar bastante melhor que exercer um direito fundamental
de forma atabalhoada. No fundo é preferir andar com a fralda de fora se não
temos a certeza que conseguimos andar com a cintura bem apertada.
Se virmos bem esta coisa, como exemplo, da barba por fazer
de uns quantos dias, é um caso prosaico de um direito secundário que ao ser
exercido com alguma dignidade permite cumprir a nossa dose do pecado da
preguiça sem dar demasiado alarde junto dos guardiões da moral, juntando a moda
ao desleixo duma forma que nem Jesus no sermão da montanha conseguiu juntar a
salvação ao bom feitio. Assim, a moral, que tem grandes ambições de
objectividade e isenção à dúvida, pode perfeitamente ser driblada por valores
menores que se podem denominar sob o manto do conceito mais genérico do ‘fazê-las
com jeitinho’.
Tudo isto para quê?
Para estarmos mais atentos a quem gosta de nós mesmo que não
esteja a cumprir nenhum programa ético, social ou ideológico. Geralmente
mandamos à merda quem se interessa por nós duma forma absurdamente simples e
vazia de valores fundamentais. E fazemo-lo repetidamente. Seja em ciclos, seja
em contínuo, sejam aos bochechos.
É uma pena – por ser errado - pensarmos que a vida faz toda
parte de uma Plano. Graças a Deus não há plano nem planos. O universo segue o
seu caminho numa bela sucessão de situações. E a liberdade não é um direito é
uma porra duma condição dos infernos.