Decassilaba-mo, meu Amor



A Primavera vai-se embora hoje sem glória. Por acaso acompanho esta despedida com boa música, mas já lá vai o tempo em que tinha estilo falar das músicas que ouvíamos enquanto se escrevia. Hoje é muito mais difícil ter estilo. Vejam, até para se dizer que se gosta de alguém. Como é que isso se faz com estilo? Não conseguimos competir com o spotify , nem com os engraçadinhos da freguesia. Como fazer? Um poema, uma aguarela, oferecer um livro, preparar um assado, lançar uma revolução? Eram bons os tempos em que bastava ser revolucionário para seduzir, hoje termina mais uma primavera e até o pôr-do-sol por mais bonito que seja antecipa mais canícula que mamilos espetados. Não desanimem irmãos e camaradas, as mulheres voltarão a ser o que já foram quando perceberem que é melhor ser bibelot do que lenha para queimar. Vamos ao que interessa. Como recuperar uma primavera que se perdeu? Ou melhor, como recomeçar o que nunca terminou? Como dar o braço a torcer sem doer muito? Como mostrar que todos podemos ter razão mas eu tenho mais razão que o outro. Como pedir justiça sem precisar de balança?
Tantas interrogações a estragar o texto. Nem umas personagens de ficção para disfarçar, nem uns trocadilhos para atenuar, nem umas tiradas latimfúndias para provocar aquele ar de enjoo que apenas as mulheres bonitas sabem fazer. Sabem, sabem.
É por isso que de facto a merda da poesia é uma arte maior, caralho. Aquilo não se parece com nada, mas nem a música chega lá perto. A música é coisa de pele, não se deixem enganar. Com a poesia nem é bem uma sensação, ou um estado de espírito, nem sequer é uma porra dum  je-ne-sait-quoi. E quando se está à espera duma palavra e sai outra que produz um efeito melhor e inesperado. Cabrões. Aquilo é sorte. Sim, mulheres, aquilo é pura sorte, aquilo são reformados de euromilhões disfarçados. E quem tem sorte naquilo não tem em mais nada, acreditem, acreditem no povo que o povo não falha.
Uma sílaba, outra sílaba, outra, e outra. E até é fácil. O que é que custa um verso, porra, pensem, gajas parvas! Dez silabas não valem um beijo. 
E há que tempos que não se me rima um beijo em condições. 

Foste levada por algum poeta para um canto escuro e ele enfiou-te umas palavras pela goela abaixo enquanto lhe oferecias o que me negaste, estúpida.