Riga de Aluguer



Carlinhos sonhava com o Báltico. Poderia ter optado por uma nostalgia mais estónica mas não há nada como aquela letal-luz-letã. Uma luz que mata sem pulsão, mata apenas como desejo mal reprimido. Não tendo nenhum útero conhecido por aquelas bandas acabou por arrendar um apartamento pelo airbnb onde iria passar uma semana até que as águas do Daugava lhe rebentassem nos cornos. Ia só mas esperava que alguma companhia pudesse desabrochar naquele final de Primavera, numa espécie de namoro floralmente assistido, isentando-o daquelas liturgias de engate que obrigam a percorrer bancas de orquídeas vendidas ao preço de resgates a países de mau rating.
Pediu à pombinha do espírito santo que lhe fizesse bater à porta uma fêmea com língua de fogo e que, assim, ficasse bem escaldado com o primeiro beijo. Fecharia os olhos e amaria que nem uma Cância desprendida, sem se preocupar de qual ventrículo viria a paixão envolvida.
E foi assim numa Riga alugada que Carlinhos encontrou uma senhoria generosa que o adoptou como amante em regime de contrato de associação, ou seja, onde um letão não chegasse com a pila ele desenrascaria com a mão.
Dispensado de renda paga em contado, passeava pela cidade sem olhar a meios, cobiçando tudo o que apresentasse a baínha acima do joelho mas exercitando uma abstinência de modelo sublimado o que lhe permitia dedicar os serões a escrever poesia de pendor kantiano, distribuindo rimas categóricas, pensadas à priori e absolutamente independentes da sua experiência que, diga-se, estava indelevelmente marcada por uma austeridade sentimental forçada por desgostos resolvidos à base de relaxantes musculares.
Alheada das inseminações da politica e do futebol doméstico, a sua uterina Riga todos os dias lhe preparava um espectáculo diferente, ora nuvens em forma de animais mitológicos, ora chuvas mais miudinhas que o pintelho de um memorando de Catroga, ora sóis a porem-se que nem bochechas de bébé em pleno alívio de entranhas, pelo que Carlinhos andava em Riga de papo cheio. Tão papudo que a senhoria o despachou ao fim de uma semana. Para homens felizes já bastavam os ejaculadores profissionais, até para uma mulher à beira do báltico lhe faz falta um homem que apenas saiba fingir uma tristeza inofensiva, aquele tipo de triste que toda a gente sabe que é um pateta alegre.
Carlinhos regressou. Se um homem anda folgado o melhor é que venha uma mulher e cancio.